domingo, 23 de setembro de 2012

A garota com olhos de estetoscópio

Ainda é cedo, mas eu já quero um cigarro. Mais um. O dia ainda não acabou, porque ainda não dormi. Nem posso. Há muita cafeína no meu organismo, e eu vou me manter aqui, em volta dos copos sujos de cinza e desse abajur fraco à direita. Mas você continua dormindo no meu colo, respirando fundo. Já escutei o nome de três garotas diferentes, mas vou ignorar e beber mais um copo. Mais um cigarro.
A garota com os olhos de estetoscópio sentiu meu coração assim que cruzou seus olhos com os meus. Sentiu que meu coração pulsava devagar. Quase congelado, ela tratou de me aquecer. E eu dizia que as pessoas não mudam. Que nem mesmo aquele café me fazia quente, quem dirá ela. Mas a garota com os olhos de estetoscópio viu novamente em meu coração que eu mentia. Que estava louca pra tudo aquecer de novo. Esquentar aqui, nos nossos lençóis. Deixa esquentar na nossa cama, no nosso toque. Ela riu, e eu desviei. 
Nunca pude com o sorriso da garota com olhos de estetoscópio. Porque ela podia ver no fundo da minha alma. Mas nunca me permitiu ver o dela. Abriu as portas, as janelas, as cortinas, abriu as pernas… Mas nunca me abrira o coração. A garota com olhos de estetoscópio podia ver o coração de qualquer um, porque ela nunca teve um coração.
Dormia pensando em duas a três garotas, mas nunca em mim. Sonambulava Ana e Amanda, mas nunca falou meu nome. Deve ser porque quando estava acordada, me fazia ser única, e não me deixava ir embora. Nunca me amou, ao fundo. Só queria cuidar do meu coração gelado. E depois de aquecê-lo, iria quebrá-lo. E eu sabia que iria fazê-lo. Mas eu só queria mais um cigarro.
Ela dormiu falando dois ou três nomes mas acordou me chamando de amor. Calçou os sapatos de princesa e foi embora. Observei os sapatos, pensando em como, que com aquela sola cor de sangue, ela sempre estaria pisando no tapete vermelho. Sendo a princesa que sempre fora.
Calçou os sapatos, desfilou por seu tapete, quebrou meu coração e foi usar seus olhos de estetoscópio em mais alguém. Na Ana, ou em Amanda, talvez. Mas tudo bem. Eu só quero mais um cigarro.